13.3.09

O Sufrágio Universal e a Participação Feminina na Política

Direitos laborais, sexuais, académicos e de cidadania participativa, tais como ter um trabalho remunerado, casar de livre vontade e instruir-se, assim como votar são, actualmente, direitos interiorizados pelas mulheres e pelos homens do mundo Ocidental. Porém, nem sempre assim foi.

A proclamação da igualdade entre todos os cidadãos foi durante muito tempo uma meia-verdade, limitada ao sexo masculino. Só em pleno século XX, a ideia da igualdade entre os sexos conseguiu afirmar-se e foi já convertida, nos países da Europa, num princípio constitucional.

Em 1893, a Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo a conceder o direito de voto às mulheres, cuja conquista se deveu a um movimento liderado pela feminista Kate Shepparde. Em 1902, a Austrália concedeu o voto, com algumas restrições. Na Europa, o primeiro país em que as mulheres obtiveram o direito ao voto foi a Finlândia, em 1906.

Em Portugal, as primeiras tentativas para obter o sufrágio feminino deram-se nos últimos anos de regime monárquico, em fins do século XIX, e nos princípios da República (1910-1928), mas as assembleias e governos que se iam sucedendo reagiram sempre desfavoravelmente e não baixaram a barreira legal que vedava o voto às mulheres.

A primeira mulher a votar, em Portugal, foi Carolina Beatriz Ângelo, nas eleições constituintes de 28 de Maio de 1911, tornando-se uma excepção por ser médica, mãe e viúva.

Só no início da década de 30, foi reconhecido o direito de voto às portuguesas. O primeiro passo estava dado, porém, a igualdade de tratamento era ainda uma meta distante. Enquanto para os homens se exigia apenas, em alternativa, um requisito censitário mínimo, as mulheres tinham de ter um curso especial, secundário ou superior.

Alguns anos depois, a legislação veio estender, sensivelmente, o direito de voto, reconhecendo-o também às mulheres que fossem chefes de família, nas mesmas condições dos homens e às mulheres casadas, desde que soubessem ler e escrever e pagassem um mínimo de contribuição predial.

Durante a primeira fase, só uma elite, com sólida cultura, era considerada capaz de se interessar pelos negócios públicos, mas depois desta segunda manifestação legislativa, é já a mulher “média” que se tem em vista, pois passam a interferir naqueles todas as que vivam sobre si e assumam responsabilidades familiares, e ainda uma boa parte das mulheres casadas.

Só em 1976, se veio, finalmente, a consagrar o princípio da igualdade absoluta entre os sexos, ao atribuir-se o direito de voto a todos os Portugueses, incluindo as mulheres. As Portuguesas alcançaram, assim, uma «cidadania plena», podendo eleger e ser eleitas.

Em Portugal, apenas uma mulher esteve à frente de um governo. Foi Maria de Lurdes Pintassilgo (1930-2004), tendo sido Primeira-Ministra do V Governo Constitucional. Esta mulher destacou-se ainda por ter sido procuradora na Câmara Corporativa (1965-1974), ter ocupado vários cargos governamentais, depois do 25 de Abril, ter sido ministra dos Assuntos Sociais do II e III Governos Provisórios, e ter desempenhado o cargo de embaixadora da UNESCO.

Mais recentemente, em Portugal, a Lei da Paridade (Lei Orgânica 3/2006 de 21 Agosto), veio estabelecer a obrigatoriedade da composição das listas assegurarem a representação mínima de 33% de cada um dos sexos, como forma de favorecer e garantir uma participação mínima das mulheres na política.

Vencida a barreira legal, verifica-se, porém, muitas vezes, a existência de práticas sociais que a contrariam e que impedem a sua efectiva aplicação. Ao Direito cabe alargar o horizonte das oportunidades, favorecer as condições de igualdade, mas a sua aplicação às situações da vida fica, muitas vezes, dependente da tomada de consciência e da vontade dos interessados.

Carla Cunha e Joana Silvério
Técnico de Serviços Jurídicos I
Português I


ENTREVISTA

A Ensiguarda entrevistou a deputada egitaniense da Assembleia da República Ana Manso sobre a participação política das mulheres em Portugal
Alguma vez se sentiu descriminada, no seu partido, pelo facto de ser mulher?
Directamente nunca me senti descriminada, no meu partido, pelo facto de ser mulher. No entanto, e por vezes, a descriminação assume formas tão subtis que as suas consequências só, a médio e longo prazo, se tornam visíveis e se fazem sentir.

Concorda com a Lei da Paridade?
Enquanto instrumento transitório, a Lei da Paridade continua a ser necessária e útil. Quanto à sua eficácia, isto é, atingir os verdadeiros objectivos da paridade, a lei ainda fica aquém, pois deveria estabelecer o valor de 53% e não os 33,33%, ou seja, o correspondente ao peso relativo da Mulher na sociedade portuguesa. Mas o facto é que gostaria que ela não tivesse de existir. Era sinal que a sociedade tinha atingido a sua plena igualdade e equilíbrio, num estado de direito justo e desenvolvido.

Na sua opinião, esta lei fará com que as mulheres encarem a participação política de forma diferente?
Gostaria que sim e, por certo, é isso que vai acontecer. Mas a mudança será mais encarada pelos homens, porque vão ser obrigados, desde logo, e à partida, a aceitar a participação política das mulheres de forma diferente e sem quaisquer preconceitos, isto é, deixa de ser necessário “provar primeiro para ser aceite e ter uma oportunidade depois”.

Considera que Portugal estaria diferente se tivesse concedido o voto à mulher mais cedo, tal como o fez a Finlândia?
Claro que sim, e sobre isso não tenho quaisquer dúvidas. E apraz-me registar que a primeira mulher a votar em Portugal, Carolina Beatriz Ângelo, era natural da Guarda.

Quais as grandes diferenças que se teriam operado se tal tivesse acontecido em Portugal?
Desde logo uma prática política mais aberta e sensível a questões de natureza social e familiar, e, quero acreditar, com maior transparência e isenção na vida política; um mundo com menos dor e menos sofrimento humano; um mundo mais justo, mais equilibrado, menos agressivo e com menos desgraças, menos violência, menos guerra e sem fome e pobreza.

O que falta a Portugal para as mulheres participarem mais activamente na política?
Ainda temos um longo, longo caminho a percorrer. É preciso mais ética e qualidade na prática política, por um lado, e, por outro, uma partilha mais equilibrada das responsabilidades familiares e domésticas que facilitem, ou, pelo menos, não dificultem a conciliação da actividade política com a vida familiar. A lei da Paridade ajuda do ponto de vista legal, do direito e do contexto de partida e de início, mas não resolve todos os problemas que se deparam à participação activa das mulheres na política, no seu dia-a-dia. Mas, enfim, o caminho faz-se caminhando e faz-se passo a passo… O que importa é não desistir e fazer de cada dificuldade um desafio a vencer!

Entrevista dirigida pela aluna Carla Cunha, T.S.J. I
Português I

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